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quinta-feira, 28 de abril de 2011

25 Mitos Sobre Gagueira


Autores: Sandra Merlo e Hugo Silva
Revisora: Ignês Maia Ribeiro
Fonte: Instituto Brasileiro de Fluência - IBF


1. Mito: A gagueira é um hábito adquirido. 
Realidade: Afirmar que a gagueira é um hábito significa que a pessoa começaria a gaguejar voluntariamente e, com a prática, a gagueira se tornaria automática. Não é isso o que acontece. A gagueira é um distúrbio neurobiológico causado provavelmente pelo mau funcionamento de áreas do cérebro responsáveis pela automatização da fala: os núcleos da base não conseguem ajustar adequadamente o tempo de duração de sons e sílabas, ocasionando alongamentos, bloqueios ou repetições. Esta disfunção é resultado de uma predisposição genética ou de uma alteração na estrutura do próprio cérebro. Portanto, a gagueira não pode ser simplesmente aprendida por imitação, porque ocorre em pessoas que, de alguma forma, estão propensas a ela.

2. Mito: Se eu não gaguejo em algumas situações (por exemplo: cantar, ler em coro, falar com outro sotaque, representar um personagem, sussurrar), é sinal de que posso ser fluente em todas as situações. Se não consigo ser sempre fluente, a culpa é minha. 
Realidade: Dependendo do contexto, a fala é processada por diferentes partes do cérebro. As variações situacionais da gagueira - embora possam soar indevidamente como um problema emocional ou de ansiedade social - refletem apenas diferenças no modo como o cérebro processa a fala de acordo com a circunstância, usando um de dois sistemas pré-motores para fazer a temporalização do movimento: o sistema pré-motor medial ou o sistema pré-motor lateral. Na gagueira, o sistema pré-motor medial, responsável pela fala espontânea e integrado pelos núcleos da base, é o que tende a estar comprometido. Por outro lado, o sistema pré-motor lateral, responsável pela fala não-espontânea (como falar sozinho, cantar, ler em coro, representar um personagem e sussurrar) e integrado pelo cerebelo, tende a estar íntegro. Assim, a melhora da gagueira em situações que não envolvem fala espontânea é esperada e não significa que esta melhora possa ser transferida para a fala espontânea, uma vez que são processamentos distintos.

3. Mito: Pessoas com gagueira nunca gaguejam cantando ou quando representam um personagem no teatro. 
Realidade: A maior parte das pessoas com gagueira realmente não gagueja quando canta. Entretanto, algumas pessoas com gagueira podem enfrentar dificuldades para iniciar o canto, outras podem gaguejar apenas quando cantam músicas de ritmo quase falado (como o rap, por exemplo) e outras ainda podem gaguejar no canto da mesma forma que gaguejam quando falam. Da mesma forma, boa parte das pessoas com gagueira não gagueja quando representa um personagem no teatro. A explicação para a ausência da gagueira durante o canto ou a representação de um personagem está em como o cérebro processa estas formas de expressão verbal: ambas tendem a ser processadas pelo sistema pré-motor lateral, que tende a estar preservado nas pessoas que gaguejam. Quando a gagueira ocorre durante o canto ou durante a representação de personagens, significa que o processamento não foi transferido para o sistema pré-motor lateral ou que também há algum comprometimento neste sistema.

4. Mito: O fato de as pessoas com gagueira experimentarem melhora na fluência em situações de alteração de feedback auditivo (atraso, alteração de freqüência ou mascaramento) prova que a gagueira é psicológica, porque não haveria nenhuma razão para a gagueira melhorar sob estas condições. 
Realidade: Quando o feedback auditivo é modificado, a fala não é mais processada de forma automática pelo cérebro. Nestes casos, o cerebelo entra em ação, porque se torna necessário extrair pistas acústicas do som externo para temporalizar a fala. É o mesmo efeito que ocorre com a leitura em coro e com o falar ao ritmo de um metrônomo, que também melhoram a gagueira de muitas pessoas.

5. Mito: O fato de as pessoas com gagueira vivenciarem piora da gagueira de acordo com o interlocutor prova que a gagueira é psicológica. 
Realidade: Oscilações na gagueira que dependem do interlocutor geralmente podem ser explicadas pela ativação da resposta de congelamento. A resposta de congelamento está relacionada a uma baixa geral de atividade do organismo, incluindo diminuição dos batimentos cardíacos, da pressão arterial e dos movimentos de fala. Quando uma pessoa (com gagueira ou não) se encontra em uma situação de dúvida, o cérebro dá uma ordem para o corpo se movimentar menos até que a pessoa decida o que fazer. No caso de pessoas que gaguejam, a situação de ambigüidade pode piorar a gagueira. Este efeito também pode explicar a melhora da gagueira quando a pessoa fala ou lê sozinha.

6. Mito: Geralmente tenho dificuldade para dizer meu nome e meu número de telefone quando as pessoas solicitam. Entretanto, consigo dizê-los fluentemente se estou sozinho. Isso é uma evidência de que a gagueira é psicológica. 
Realidade: Este efeito pode ser explicado por três fatores. Primeiro, a gagueira é um distúrbio de fala espontânea, isso quer dizer que ela tende a se manifestar com maior intensidade quando a fala é utilizada de maneira proposicional, isto é, quando a fala de fato tem finalidade prática. Falar uma expressão fora de contexto (quando se está sozinho, por exemplo) diminui a proposicionalidade daquela expressão, fazendo com que a gagueira também diminua. Segundo, no contexto real, existe uma pressão de tempo natural, ou seja, a expressão deve ser proferida no tempo adequado. Lembrando que a dificuldade de temporalização é justamente a maior dificuldade das pessoas que gaguejam, não é de se espantar que a dificuldade aumente quando a pressão de tempo está presente. Terceiro, se a pessoa reagir negativamente frente à antecipação da ocorrência da gagueira, a gagueira também terá maior probabilidade de ocorrer devido à ativação da resposta de congelamento, que faz com que o corpo tenda a paralisar, alterando assim a produção da fala. É bom lembrar que muitos outros distúrbios oscilam de acordo com a situação (por exemplo: Síndrome de Tourette, disfonia espasmódica, doença de Parkinson), não sendo esta uma característica exclusiva da gagueira.

7. Mito: Se eu não gaguejasse, minha vida seria perfeita e eu conseguiria realizar todos os meus sonhos. 
Realidade: A gagueira de origem hereditária parece envolver níveis elevados do neurotransmissor dopamina e um funcionamento atípico de receptores dopaminérgicos em determinadas áreas do cérebro. O excesso de atividade dopaminérgica está relacionado a dificuldades na automatização de movimentos (como os de fala, gerando a gagueira), mas também está relacionado a um maior desempenho intelectual, maior capacidade de atenção e menor tendência à hiperatividade e impulsividade. A gagueira por lesão neurológica envolve dano físico ou bioquímico aos núcleos da base, estando relacionada a menor capacidade de atenção e maior tendência à hiperatividade e impulsividade. Portanto, se você não gaguejasse, você não seria quem é; sua vida e seus problemas seriam outros.

8. Mito: Pessoas que gaguejam são menos inteligentes. 
Realidade: Não há relação de causa ou conseqüência entre gagueira e inteligência, ou seja, não é a falta de inteligência que causa a gagueira e nem a gagueira deixa a pessoa menos inteligente. Algumas pessoas com gagueira optam por expressar menos suas opiniões oralmente; eventualmente esta atitude pode dar a impressão para o interlocutor de que a pessoa é menos inteligente, mas este geralmente não é o caso.

9. Mito: A gagueira está mais presente em sociedades que estimulam a competição e que cobram melhor desempenho do indivíduo. 
Realidade: A gagueira é um distúrbio que parece afetar igualmente todas as classes sociais, etnias, sociedades e culturas - desde comunidades indígenas da América do Sul ou do Norte, até executivos de Tóquio e Wall Street.

10. Mito: A criança gagueja para chamar a atenção dos pais. 
Realidade: A gagueira não é um comportamento voluntário. Portanto, a criança não gagueja porque quer ou para chamar a atenção dos pais.

11. Mito: A criança começou a gaguejar depois do nascimento do irmão, porque ficou com ciúmes dele. 
Realidade: A aparente relação causal entre o início da gagueira e o nascimento de um irmão mais novo não passa de mero acaso. O freqüente intervalo de 2-3 anos entre o nascimento de dois irmãos é a chave de toda a explicação. A gagueira inicia geralmente por volta dos 2-3 anos em razão de uma fase natural de desenvolvimento das estruturas cerebrais responsáveis pela automatização da fala (os núcleos da base). Esse período coincide com a diferença de idade que é mais comum entre dois irmãos. Ou seja, devido ao fato acidental de que ambos, o surgimento da gagueira e a diferença mais provável de idade entre irmãos, estejam em torno de 2-3 anos, há uma grande probabilidade de que uma criança comece a gaguejar próximo ao nascimento do seu irmão.

12. Mito: Pais de crianças que gaguejam são os principais responsáveis pelo distúrbio do filho, pois a gagueira resultaria de uma educação repressora e recriminadora. 
Realidade: A gagueira é um distúrbio neurobiológico cuja manifestação, na grande maioria das vezes, acontece à revelia de qualquer comportamento dos pais.
• Quando a gagueira ocorre devido à herança genética, significa que a criança possui genes que a predispõem ao distúrbio. Como os genes são determinados no momento da fecundação, os pais não podem escolher os genes que o filho irá receber. Por outro lado, sabe-se que o ambiente influencia a expressão genética. Desta forma, propiciar que a criança se desenvolva em ambientes (familiar, escolar, social) que favoreçam o adequado desenvolvimento da linguagem pode ser considerado como um fator de proteção.• Quando a gagueira ocorre devido à lesão neurológica, geralmente a lesão foi causada por algum acidente em que a criança bateu a cabeça (acidentes domésticos, esportivos ou automobilísticos). Crianças entre 0 e 4 anos e adolescentes entre 15 e 19 anos são os mais propensos a sofrer trauma de crânio. O que os pais podem fazer é tentar evitar a ocorrência destes acidentes, tomando as precauções necessárias.
Embora os pais praticamente não possam evitar o início da gagueira, podem evitar que ela se agrave e se torne crônica. E é justamente em relação a estes aspectos que atitudes esclarecidas por parte dos pais são importantes.

13. Mito: A criança começa a gaguejar por excesso de cobrança dos pais. 
Realidade: Os pais de pessoas que gaguejam são alvos de diversos estereótipos sociais. Seriam pais dominadores, superprotetores, com altas expectativas, perfeccionistas, com sentimentos de rejeição e avaliações indesejáveis sobre a personalidade do filho que gagueja. Entretanto, os avanços científicos já demonstraram que os pais não são os responsáveis pela gagueira de seus filhos. Por outro lado, determinadas atitudes podem piorar a gagueira (por exemplo, dizer para a criança parar de gaguejar, pensar antes de falar ou ficar calma). Deste modo, o ambiente familiar também desempenha um papel importante, mas não tanto no surgimento e, sim, na recuperação da gagueira. Por isso, é extremamente importante que os pais adotem atitudes que promovam a fluência.

14. Mito: Pode-se "pegar" gagueira por imitação ou por ouvir uma outra pessoa que gagueja. 
Realidade: Ninguém pode "pegar" gagueira. Se fosse assim, todas as pessoas que convivessem com alguém que gagueja, gaguejariam também, mas isso realmente não acontece. Além disso, dizer para uma pessoa que gagueja que ela aprendeu a gaguejar por imitação significa rebaixá-la e humilhá-la: com tantas características favoráveis para imitar, por que escolheria a gagueira, que lhe seria prejudicial e traria desvantagens?

15. Mito: Um susto pode causar a gagueira.
Realidade: Se sustos causassem gagueira, então provavelmente todas as pessoas gaguejariam, porque, afinal, quem nunca levou um susto?

16. Mito: Nervosismo, ansiedade, insegurança, timidez e baixa auto-estima causam gagueira. 
Realidade: Fatores psicológicos não causam gagueira, embora possam agravá-la. Além disso, também está incorreto assumir que pessoas que gaguejam sejam mais propensas a serem nervosas, medrosas, ansiosas, tímidas ou com baixa auto-estima. Algumas pessoas com gagueira podem apresentar ansiedade, insegurança, timidez e/ou baixa auto-estima para falar, mas essas características tendem a ser conseqüências de vivências comunicativas frustrantes relacionadas à gagueira e não causas da gagueira.

17. Mito: Estresse causa gagueira. 
Realidade: O estresse não causa gagueira, mas pode agravá-la e, às vezes, até mesmo melhorar a gagueira. Há relatos na literatura científica, por exemplo, de soldados com gagueira que falam fluentemente em situações de guerra e de pessoas que, em situações de discussão, experimentam uma grande redução da gagueira. As mudanças fisiológicas ocasionadas pelo grau da resposta de congelamento explicam a melhora ou a piora da gagueira sob estresse.

18. Mito: Gagueira por herança genética é melhor do que gagueira por lesão cerebral. 
Realidade: Não é melhor e nem pior, apenas diferente. A gagueira hereditária pode ser transmitida de geração para geração. Por outro lado, a gagueira lesional pode envolver danos mais amplos ao cérebro. O mais importante é que ambas respondem favoravelmente ao tratamento especializado.

19. Mito: Se a criança começar a gaguejar, é melhor fazer de conta que nada está acontecendo para que ela não tome consciência do problema. 
Realidade: Acreditava-se que chamar a atenção da criança para sua fala seria a causa imediata da gagueira, fazendo com que hesitações comuns se transformassem em gagueira. Atualmente, sabe-se que isso não é verdade. Falar com a criança sobre sua gagueira não fará com que o distúrbio se instale ou piore. Falar abertamente com a criança sobre sua gagueira fará com que ela sinta o apoio dos pais, sentindo-se encorajada para compartilhar suas dificuldades. A conspiração do silêncio em torno da gagueira só contribui para aumentar a distância entre pais e filhos.

20. Mito: Se a criança começou a gaguejar, é só esperar que passa. 
Realidade: Boa parte das crianças que começa a gaguejar melhora espontaneamente pouco tempo após o início dos primeiros sintomas de gagueira. Entretanto, os pais não têm como saber de antemão quais as chances de ocorrer melhora espontânea com seu filho. Por isso, é fundamental realizar uma avaliação com um fonoaudiólogo especializado em gagueira para saber se é mais alta a chance de a gagueira melhorar espontaneamente ou se é mais alta a chance de a gagueira persistir. Uma intervenção precoce adequada é o melhor caminho para diminuir o impacto negativo da gagueira na vida da criança e dos pais.

21. Mito: Ajuda dizer à pessoa para "ficar calma", "relaxar", "respirar fundo antes de falar" ou "pensar antes de falar". 
Realidade: Este tipo de recomendação faz com que a gagueira pareça algo muito simples de se resolver. Se realmente fosse assim, não haveria tantas pessoas com gagueira persistente e talvez nem seria necessário tratamento para gagueira. Quando a pessoa com gagueira ouve de seu interlocutor algo como "fique calmo", "relaxe", "respire" ou "pense antes de falar", ela fica ainda mais preocupada com seu distúrbio, o que provavelmente contribuirá para piorar a gagueira. Sendo assim, na intenção de ajudar, o interlocutor acaba atrapalhando ainda mais. Muitas vezes, o mal-estar que o interlocutor sente é maior do que o da própria pessoa que gagueja e é ele quem precisa ficar calmo e relaxar. Reações mais úteis para o interlocutor incluem esperar a pessoa que gagueja terminar sua fala, não completar palavras e procurar falar de modo mais lento e articulado. Enfim, respeitar o tempo e a forma de falar do outro.

22. Mito: Obrigar a criança a ler em voz alta na sala de aula faz com que ela perca a timidez e o medo de falar. 
Realidade: Timidez e medo não causam gagueira. Portanto, é infundada a crença de que, se a criança deixar de ser tímida ou deixar de ter medo para falar, a gagueira irá desaparecer. Na verdade, a timidez e o medo de falar podem ser conseqüências da gagueira: a criança pode ter medo de falar não porque acha que pode gaguejar, mas porque sabe que vai gaguejar, porque também sabe que não consegue impedir a ocorrência da gagueira, e, muitas vezes, por acreditar que deveria ser capaz de fazer algo para não gaguejar. Por outro lado, o medo realmente pode agravar a gagueira. Assim, obrigar a criança a ler em voz alta na sala de aula só vai contribuir para piorar o problema. Em termos jurídicos, obrigar o aluno com gagueira a ler em voz alta ou apresentar seminários é fato gravíssimo que justifica a abertura de processo legal em razão do constrangimento gerado pelas situações.

23. Mito: A pessoa gagueja, porque pensa mais rápido do que fala.
Realidade: Todas as pessoas pensam mais rápido do que falam. Por exemplo, ao presenciarmos uma briga, nosso pensamento rapidamente detecta que a situação em questão é uma briga, percebemos quase que instantaneamente o local em que se passa e as pessoas envolvidas. Mas, por outro lado, se tivermos que falar sobre o que presenciamos, necessitaremos de um tempo muito maior para fazer isso. Para todo mundo, o pensamento é como se fosse um relâmpago e a fala, o trovão que o acompanha instantes depois. Portanto, a velocidade do pensamento não pode ser a causa da gagueira, porque todo mundo pensa mais rápido do que fala, mas nem todo mundo gagueja.

24. Mito: Susto pode curar gagueira. 
Realidade: Um susto não tem o poder de alterar a predisposição genética para gagueira ou de modificar a estrutura e funcionamento do cérebro de pessoas que gaguejam. Portanto, sustos não curam gagueira.

25. Mito: Se a pessoa realmente tiver força de vontade para falar, ela consegue falar sem gaguejar. 
Realidade: Tendo em vista que a ocorrência da gagueira é involuntária, a pessoa que gagueja não consegue ter controle absoluto sobre a sua fala. Por isso, nem a maior força de vontade poderia impedir a ocorrência da gagueira. Por outro lado, a força de vontade pode ser uma grande aliada na superação da gagueira, facilitando a adesão aos tratamentos especializados.

Referências bibliográficas:
ALM, P.A. (2005). On the Causal Mechanisms of Stuttering. Tese de doutorado. Lund University.
BARBOSA, L.M.G. & CHIARI, B.M. (2005). Gagueira: Etiologia, Prevenção e Tratamento. 2ª edição. Ed. Pró-Fono.
BOHNEN, A.J. (2005). Sobre a Gagueira. Ed. Unisinos, 2005.
STUTTERING FOUNDATION OF AMERICA. (2007). Myths about stuttering. Tradução adaptada. 

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