Assédio moral se refere ao uso de palavras, gestos, alusões ou não ditos, aparentemente inofensivos, que tem poder de desequilibrar ou até destruir uma pessoa. Essas situações ocorrem sem que aqueles que a presenciem nelas intervenham, de tal forma que o agressor pode enaltercer-se por rebaixar os demais e ainda fazer recair sobre o rebaixado a responsabilidade do que sucede. É uma forma de comunicação que humilha uma pessoa e a transforma em vítima.
No contexto da fala, isso ocorre com frequência no caso das disfluências, que, como todos sabem, facilmente evocam risos, imitações, apelidos e outras chacotas. Mas, infelizmente, muitas pessoas ignoram como e por que essas ações corriqueiras e socialmente aceitas podem machucar interiormente aquele que disflui, além de influenciar na constituição e manutenção de uma fala com gagueira.
Também a fala infantil que apresenta disfluências, não raramente, evoca de pais, professores e adultos em geral as solicitações: “calma, pensa, respira, fala devagar” ou, ainda, sem que haja qualquer suspeita de que isso poderia, de algum modo, prejudicá-la.
Estas atitudes constituem uma rejeição de fala. A rejeição se constitui porque essas reações não reconhecem o discurso como linguagem, pelo seu sentido, mas o reconhecem pela forma. É a forma que está sendo rejeitada, desprezada, ridicularizada.
Estamos diante de uma ideologia de senso comum que vê a fluência como absoluta e como circunscrita ao falante e sustenta a interpretação da disfluência como sendo gagueira.
Esses aspectos não ditos, mas subentendidos nas chacotas e solicitações funcionam como repetidos e dolorosos “arranhões” na imagem de falante de crianças e adultos. Mas, no contexto social, até o momento, isso parece não se mostrar suficientemente grave para merecer que se fale a respeito.
Provavelmente por esse motivo, diante de brincadeiras e comentários que rejeitam as disfluências, os assediados se mostram tolerantes e agem como se levassem tudo na brincadeira. Mas é uma tolerância que incomoda, agride, fere e leva à formação de uma atitude defensiva que favorece novos assédios.
Considerando essa situação especificamente do ponto de vista de criança, ao perceber continuamente que sua fala não é aceita, interioriza uma imagem negativa de si como falante e a aceita como se a merecesse. Isso abala sua necessária confiança na capacidade de falar e gera sofrimento.
É a partir dessa falta de confiança que se constitui o conhecido quadro de gagueira. Um quadro marcado pelo medo que o falante adquire de disfluir, em virtude as reações sociais, e pela consequência disso: a tentativa de evitar o aparecimento das disfluências, para poder permitir-se continuar falando sem decepcionar e envergonhar os outros.
A gagueira pode assim ser entendida como subproduto de um tipo de assédio moral que, frequentemente, é totalmente involuntário, na medida em que, de fato, é motivado pela intenção de ajudar a criança que disflui a não disfluir. Isso aponta para a necessidade de aumentar a compreensão no meio social, sobre modos saudáveis de lidar com a disfluência. Afinal, trata-se de um acontecimento natural à fala tanto infantil quanto adulta, ligada a momentos em que o falante não elaborou inteiramente o que tinha a dizer.
Fonte: Jornal do CFFa - Ano XI, número 42.
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