Você sabe qual é a área do cérebro que utilizamos para
escrever? Se não souber responder, não se preocupe. O motivo é simples: não há
uma área específica do cérebro para a escrita.
O ato de escrever foi
desenvolvido pelo homem a fim de se comunicar. Por não ser algo natural, para
realizá-lo acionamos os mesmos mecanismos cerebrais que utilizamos para falar,
convertendo assim o som em imagem. “É por isso que quando lemos algo em voz
baixa ouvimos nossa própria voz em nossa cabeça”, explica fonoaudióloga e
psicopedagoga Telma Pantâno. Ou seja, falar e escrever são ações profundamente
relacionadas e dificuldades em uma dessas competências podem refletir na outra.
É por isso que o problema da fala
não deve ser subestimado. “Uma fala errada, que ao mesmo tempo é
irresistivelmente engraçadinha, pode mascarar a dificuldade da criança em se
comunicar adequadamente”, alerta a também fonoaudióloga Marta de Toledo Prioli.
Muitas vezes, as dificuldades de
aprendizagem, comportamento e linguagem são confundidas, o que produz inúmeros
diagnósticos equivocados. As crianças acabam sendo rotuladas como
problemáticas, quando, na verdade, possuem problemas de comunicação.
Qual a relação da fala com a escrita?
A escrita é a relação entre um
som de nossa língua (fonema) e um sinal gráfico (grafema). Normalmente, cada
fonema é representado por uma única letra; assim, para representar o fonema
/i/, usamos o grafema i. Para escrever, devemos relacionar um som com um sinal
gráfico, mas se a produção desse som não for adequada (no caso de quem fala
errado), a escrita poderá ficar prejudicada.
Quais são os problemas relacionados à fala?
Algumas alterações são mais
evidentes, como gagueira, língua presa e rouquidão, porém outras não são tão
óbvias e podem causar grandes transtornos. E os professores muitas vezes não
são preparados para diferenciar as alterações de linguagem, fala e voz, que não
são a mesma coisa. A presidente da Sociedade Brasileira de Fonoaudiologia,
Irene Marchesan, explica que a linguagem consiste naquilo que se quer dizer, a
fala é a articulação dos sons, e a voz, que faz parte da fala, é o som em si,
com determinada frequência e intensidade.As alterações de fala que mais
prejudicam o aprendizado da escrita são as de origem perceptiva: a criança,
mesmo escutando perfeitamente bem, não percebe auditiva-sinestesicamente as
características de um determinado som e por isso não consegue reproduzi-lo.
De acordo com Jaime Zorzi,
médico-fonoaudiólogo e especialista em crianças com dificuldade de
aprendizagem, o sucesso da comunicação escrita depende muito da comunicação
oral. Ele contou a história de dois meninos com dificuldades para aprender a
ler e escrever. Jaime ditava aos garotos uma palavra e, na primeira tentativa,
o resultado era desastroso: as letras no papel não tinham nenhuma relação com o
que fora dito.
Em seguida, Jaime ajudava a
criança a escutar os sons das palavras, separando-as em sílabas. Assim,
conforme os meninos repetiam em voz alta os sons pretendidos, o resultado
melhorava. “Quando falavam, se saíam bem”, resume. Ao fonoaudiólogo, assim,
cabe trabalhar a oralidade para automatizar escrita.
Quem fala errado tem também maior
dificuldade em se fazer entender, gerando problemas de comunicação e de
relacionamento. Diante disso, a criança pode reagir de forma agressiva ou
introspectiva, mostrando-se insegura e com baixa autoestima, prejudicando o processo
de aprendizagem.
Como os professores podem ajudar?
É importante que professores e
educadores tenham conhecimento da questão, pois convivem mais com as crianças
do que seus médicos e, por isso, podem identificar antes uma disfunção. Se um
aluno não consegue acompanhar o ritmo da classe, é preciso investigar o
porquê.Além disso, é importante incentivar as crianças e jovens a falarem em
aula. De acordo com Telma, a partir do momento em que ensinamos as crianças a
escrever, elas param de falar: “Substituímos a fala pela escrita: o aluno
precisa ler e responder por escrito. Quando ele fala, é considerado bagunceiro.
Porém, pensar é fundamentalmente linguagem, precisamos saber se eles utilizam
corretamente a análise sintática na fala e como isso vai aparecer na escrita.
Quanto mais falamos, mais aprendemos a falar”, completa.
Segundo a orientadora pedagógica
da escola Vera Cruz, em São Paulo, Daniela Pannuti, há casos em que a criança
consegue superar eventuais dificuldades, como trocas de letras e omissões de
fonemas, no decorrer do trabalho de alfabetização, a partir de atividades
propostas pelo professor. Um exemplo de atividade é usar de um repertório
estável, como uma lista de nomes dos colegas e das atividades de rotina,
afixadas na sala de aula. Conforme se apropria dessa lista e faz associações
entre as sílabas da lista com outras palavras, a criança consegue
progressivamente corrigir seus erros de fala.
Como os pais podem ajudar?
Uma dica simples e valiosa para
os pais: ao conversar com seu filho, use vocabulário apropriado à idade, mas
sempre fale corretamente. Nunca infantilize sua fala para imitar o modo de
falar dos bebês, como “bincar” ao invés de brincar, “tetê” em vez de mamadeira,
pois dessa forma os pais incentivam a criança a persistir no erro.Cuidar da
alimentação também pode ajudar, pois certos nutrientes interferem no processo
de fortalecimento da musculatura oral. É imprescindível que as crianças
consumam alimentos sólidos para fortalecer tais músculos, assim como o uso de
mamadeiras e chupetas não deve ser prolongado, ainda que os bicos sejam
ortodônticos.
Quando procurar ajuda?
A atuação clínica é fundamental
para corrigir distúrbios da comunicação em geral. A partir do momento em que se
corrigem problemas de fala, previnem-se também os de escrita. Da mesma forma,
problemas comportamentais também podem ser corrigidos: quando as crianças
aprendem a se comunicar, elas param de bater, chutar, morder…Os distúrbios
variam de caso a caso, mas, em geral, se seu filho já completou 4 anos e ainda
fala errado, ele deve ser avaliado por um fonoaudiólogo, pois isso evitará
danos futuros no processo de alfabetização.
Fonte: ABRAMO - Associação
Brasileira de Motricidade Orofacial
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